¿Papa o patata?
Leitura significativa e ativação do
conhecimento prévio no texto literário
Profa. Marisa Ferreira Aderaldo
Universidade Estadual do Ceará
O objetivo deste artigo é relatar e compartilhar uma
experiência em sala de aula na qual se colocou em prática a estratégia de
leitura ativação do conhecimento prévio, e que teve como base o poema Oda a la papa
(Ode à batata, em português) do chileno Pablo Neruda (1904-1973) poeta que, como
é de conhecimento geral, dedicou sua voz e sua palavra para traduzir seus
sentimentos mais íntimos e também para expressar os anseios da classe
trabalhadora.
Este trabalho não tem a pretensão de fazer uma análise
literária exaustiva nem conclusiva. O intuito é estimular o gosto pela
Literatura por meio da leitura significativa com ativação de conhecimento
prévio que permita ao estudante atribuir sentido ao conteúdo do texto e
construir sua identidade por um processo de reconhecimento de sua própria
cultura, através da comparação com as manifestações artísticas de outros povos.
Metodologia:
Para confirmar a hipótese de que o conhecimento prévio sobre
determinado tema, ou mesmo que a visão de mundo latente no leitor facilita a
interpretação polissêmica da Literatura, repartiu-se os alunos em dois grupos de
informantes: grupos A e B. O grupo A recebeu para leitura prévia um texto de apoio, de caráter referencial, sobre a história
da batata.
Em seguida , ambos os grupos receberam uma cópia integral de um texto
poético, Oda a la papa, de Pablo Neruda.
Por razões de espaço deste artigo, reduziremos o longo poema
apenas a estrofes significativas, como segue:
PAPA, te llamas
papa y no patata, no naciste castellana: eres oscura como nuestra piel, somos americanos, papa, somos indios.
.......................................................................
y
cuando el trueno de la guerra negra, Espana
inquisidora, |
negra como águila de
sepultura,
buscó el oro salvaje en la matriz quemante de la araucania, sus uñas codiciosas fueron exterminadas, sus capitanes muertos,
pero cuando a las piedras de Castilla regresaron los pobres capitanes derrotados levantaron en las manos sangrientas no una copa de oro, sino la papa de Chiloé marino. [...] |
Papa ou patata:
duas faces de uma mesma moeda?
Papa,
vocábulo de origem quéchua com quem o
poeta dialoga seria sinônimo de patata, neologismo europeu resultado da
confusão entre a batata do Caribe e da papa andina, conforme Arrom
(1969) apud Morillo Caballero (1996, p. 26):
Al principio en todas partes se la
llamaba con la voz quechua: papa. [...] Pero luego, en alguna parte de
Espana se confundió a la papa con la batata, y como un error suele traer a
otro error, de batata se vino a decir patata. Este dobe desaguisado tuvo un
gran éxito: patata es el término que pasó tardiamente a otros idiomas
europeos y que generalmente se usa en el centro y norte de España; no así en
algunas localidas del sur de la Península, en las Islas Canarias y en toda
Hispanoamérica, donde con razón todavía se sigue diciendo papa.
A aparente sinonímia entre papa e
patata se esvai quando, a partir dos primeiros versos, o poeta estabelece
o contraste “te llamas papa y no patata”. Pode-se falar em dois mundos mediados pela linguagem pois, a partir dessa dicotomia estabelecida poeticamente
entre os dois significantes, nota-se que Neruda orienta seu texto poético
sobre dois eixos: um lingüístico e outro não-linguístico. O eixo lingüístico
seria o par dicotômico papa / patata e seus derivados: ser / não
ser; americano / europeu, e o eixo não-lingūístico seria o intencional,
referente aos diferentes signos culturais que se formam pela representação
lingüística papa e patata, de acordo com Cortés e Mena (1990) em Beuchot
e Blanco (1990): “
[...]un signo se refiere a la realidad sólo por una relación con otros
signos, es decir [...] cada signo tiene una función diferente dentro del
contexto expresado”.
Considerando-se que o possível paralelismo entre o título e o
conteúdo possa funcionar muitas vezes como organizador prévio de leitura (SOLÉ, 1998), promoveu-se entre os grupos uma breve discussão sobre a forma em
ode do poema Oda a la papa: a ode, gênero literário, de tom elevado, que
celebra algo importante. O curioso é que, sendo a batata um tubérculo encontrado
predominantemente em textos referenciais, observa-se que ao elegê-la como
eixo de um texto poético, Neruda se afasta propositadamente da linguagem
emotiva, do eu lírico e assume um nós social, marcado pela
deixis pronominal
na primeira pessoa do plural “nuestra piel / papa” e pela anáfora
“somos americanos, somos índios”.
A organização estética do texto que se sustenta sobre o
paralelismo
sintático provoca nitidamente um paralelismo semântico, como um fio de
Ariadne a conduzir a leitura, ou seja, a interpretação de que poeta, povo e a papa
são parte indivisível de uma realidade histórica e social. A palavra
(que completa a aliteração) funciona como um canal através do qual é possível
viajar no tempo pré-colombiano e resgatar na memória um passado olvidado.
Evocando seu papel de voz do povo,
Pablo Neruda se permite uma aparente digressão histórica:
y cuando
el trueno
de la guerra
negra,
España
inquisidora,
negra como águila de sepultura,
buscó el oro salvaje
en la matriz
quemante de la araucanía,
enlaçada ao tema iterativo através da
conjunção pero:
pero cuando a las piedras de Castilla
regresaron
los pobres capitanes derrotados
levantaron en las manos sangrientas
no una copa de oro,
sino la papa
de Chiloé marino.
Processo de interpretação e compreensão da
leitura:
O pequeno texto de apoio entregue ao grupo A foi
extraído do livro De papa a patata: la difusión del tubérculo andino
de Javier Pérez Linaje mencionado por Morillo Caballero (1996, p....):
Por último la papa fue introducida
directamente del Perú en las Islas Canarias [...] Es probable que las
primeras papas que se trajeron a Europa fuesen de una variedad adaptada a
los días cortos de la subespecie andígena, muy probablemente de Colombia. La
papa crece en España e Italia en el siglo XVI, de donde pasa a los Países
Bajos en 1587, al año siguiente a Viena, otro año después se encuentra en
Alemania, en 1590 en Suíza y en 1600 pasa a Francia, las naciones eslavas la
obtienen de Alemania en los siglos XVIII y XIX [...].
Nesse exercício de leitura intensiva, tanto os alunos
do grupo A como os do grupo B, sem exceção, fizeram uso de seu background, ou seja, do
conhecimento prévio adquirido nos bancos
escolares, nas aulas de História e relacionaram os episódios referidos no poema
com os episódios da conquista da América hispânica, no entanto, ao ativar o conhecimento prévio proporcionado pelo texto de apoio, foi o grupo
A
quem, efetivamente, logrou construir um sentido mais significativo
encontrando um valor de símbolo ao vocábulo papa. Em que pese a
simplicidade do poema os alunos do grupo A
acrescentaram sua interpretação social: “o poema Oda a la papa promove um
sentimento de resgate do valor e importância da cultura colonizada, os índios,
pois a papa originaria do Peru estaria simbolizando metonimicamente todos
os povos primitivos da América espanhola: “somos americanos.”
A leitura de Oda a la Papa é um exemplo de que é
possível passar do signo ao simbólico, do simbólico ao semiótico. Neruda eleva a
batata da sua mera condição de signo a uma fantástica simbologia da humanidade,
com seus ciclos, com seu apogeu e seu declínio porque no poema estão
representadas as civilizações pré-colombianas, o processo colonizatório e a organização social e econômica da Europa. Sendo a
língua um processo da evolução social e histórica, predominam as mais fortes
sobre as menos fortes: língua dominante é sinônimo de poder econômico, social e
político (DACANAL, 1985).
A palavra papa, genuinamente
autóctone, é bem o exemplo da língua dominada. Quem de nós pensaria que potato
ou patata são neologismos criados a partir da matriz andina papa? Ainda que tenhamos claro que não há uma única interpretação nem que há
apenas um leitor ideal, foi possível comprovar a hipótese de que a ativação
do conhecimento prévio do leitor amplia as possibilidades interpretativas e
consolida a compreensão leitora. No exemplo relatado verificou-se que faltou ao
grupo B a ousadia de estender uma interpretação histórica sobre o poema
por ignorar a origem da batata e o impacto provocado pela sua inclusão na
agricultura, na gastronomia e na ordenação econômica e social do Velho Mundo.
Através do poema foi possível identificar
um tema central, i.e., a valorização da identidade de um povo ou nação e foi
possível igualmente estabelecer um vínculo com importantes temas transversais:
história da formação da língua espanhola, história da agricultura e da
importância que passa a ter o tubérculo americano como principal fonte de
alimentação dos pobres e famintos europeus sem direito ao grão dourado, o trigo.
Buscamos apoio em Angel Rosemblat mencionado por Pasqualino
Marchese que disse:
Nosotros las llamamos papas, como debe ser, que es el nombre
quechua y que aparece por primera vez en un texto castellano de 1540. Imponer el
nombre de papa al tubérculo, en América ha despertado una nueva conciencia
lingüística y una exaltación por lo criollo y lo indígena. La Academia Argentina
de Letras se pronuncia por papa en 1934, y las entidades oficiales de la
Argentina rechazan la designación de patata".
Estamos acostumados a ouvir que nossos
alunos não lêem, ou que não gostam de ler. Mas, na qualidade de professores, o
que estamos lendo? De que forma estamos lendo? E pior, como estamos ensinando a
ler?
Conclusão
É possível ensinar a ler. Ou a atrever-se
a ler.
A leitura na escola pressupõe trabalho
planejado como ponto de partida do professor. Em nosso caso, o marco zero foi a
seleção de um texto referencial que precedesse a leitura de um poema para ativar
nos leitores a estratégia do conhecimento prévio. Poderia ter sido uma
canção, um quadro de Van Gogh,
ou mesmo algum filme.
Ao professor que se dispuser a compartilhar seu saber com o saber de seus
alunos, recomenda-se disposição ao trabalho, preparação cuidadosa e seleção de
material. Buscamos apoio em Edgar Morin citado por Nelly Novaes Coelho (2000, p.
24- 25):
A Literatura é um mundo aberto ao mesmo
tempo às múltiplas reflexões sobre a história do mundo, sobre as ciências
naturais, sobre as ciências sociológicas, sobre a antropologia cultural,
sobre os princípios éticos, sobre a política, economia, ecologia.[...] Tudo
depende de uma seleção inteligente das obras.
Conclui-se que a Literatura liberta e
promove a abertura de novos horizontes, mas ela só é significativa e só é
capaz de despertar interesse quando interage com o leitor. A obra literária
passa então a configurar-se como um diálogo, fundamentalmente interativo,
resultado da relação emissor (autor) e pelo receptor-leitor (co-autor).
Portanto, promover estratégias que
despertem em nossos alunos o prazer de ler e de transformar-se em leitores construidores de sentidos é o papel da escola no estímulo à prática da
leitura.
Referência bibliográfica
BORDIEU, P. O poder simbólico. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.
COELHO, Nelly N. Literatura:
arte, conhecimento e vida. São Paulo: Petrópolis, 2000.
CORTÉS, S., MENA, R. La interpretación de Ricoeur de los
aspectos psicoanalíticos freudianos, como posibilidad de aplicación a la lectura
de textos literarios in BEUCHOT, M. BLANCO, R.(orgs) Hermenéutica,
psicoanálisis y Literatura. México: Fondo de Cultura, 1990.
MORILLO CABALLERO, M. Nuevo y viejo
mundo. Madrid: Embajada de España en Brasil, 1996.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6ª ed.
Porto Alegre, ArtMed, 1998.
RIVAS, M. La Lengua de las mariposas. Madrid:Alfaguara,
1999.
Internet
NERUDA, P. Nuevas Odas elementales
(http://www.pasqualinonet.com.ar/la_papa.htm)
consultado em 01.02.2004
“Las patatas vinieron de América”, le dije a mi madre
a la hora de comer, cuando me puso el plato delante.
“¡Qué iban a venir de América! Siempre ha habido
patatas”, sentenció ella.
“No, antes se comían castañas”.
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